segunda-feira, 6 de abril de 2009

O chic esperto

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DEVEM TER REPARADO que a minha última crónica era curtinha. Escrever pouco dá mais trabalho, mas eu acho que além da coisa ficar mais clara, é mais fácil para quem lê e essa é, portanto, uma das minhas obrigações. Naturalmente que a coisa podia ter sido melhor disfarçada, fora eu próprio a arrumar as palavras na página, ou conversáramos nós acerca da importância estética da extensão dos textos, seus recolhidos, tipos de letra, citações, formatos e destaques.
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Arrumar um texto em página é um trabalho gostoso, de reflexão, muito semelhante e até evocativo da criação e organização duma “toilette” e seus acessórios. Neste caso, das duas, uma: ou se cria ou segue a moda, como as saias descaídas a mostrarem a cintura, a tatuagem dos rins, os joelhos e com uma rodinha para avivar o balancear das ancas, e se faz uma graça de bom gosto - ou se vai a direito, tipo fronha de almofada.
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Por mim, é igual, uma vez que nunca escrevi à palavra, nem alguma vez me pagaram à linha. Aliás, neste caso, nem à entrelinha.. Mas como até os cozinheiros, copeiros, sopeiros e outros artistas da arte de “empratar” sabem que os olhos também comem, preferiria que as palavras que tenho o prazer de aqui juntar para os vossos olhos terem o trabalho de percorrer, tivessem um pequeno aceno de simpatia a quem tanto se sacrifica.
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Aquilo que os olhos vêem é mais importante do que nós próprios cremos. Por isso, a moda é absolutamente fascinante. Por ela podemos ver reflectidas as realidades económicas e sociais, mais ou menos severas, daquilo que nos vai na alma e dos períodos correspondentes.
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Reparem só como fomos acompanhando a descida da saínha curta do “Charleston” dos loucos anos 20, passando pela saia pelo joelho do grande “crack” económico de 1929, até nos despenharmos nos tornozelos da grande depressão dos anos 30.
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Só nos anos 60 Londres se atreveria a animar-nos de novo, elevando-nos para as loucas mini-saias que se manteriam ultra-curtas e animadoras até ao choque petrolífero dos anos 70, no qual as saias regressaram ao nível articular dos joelhos.
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Talvez por este choque que actualmente vivemos, com “subprimes”, especulações, quedas, trambolhões e incertezas encerrar em si um desfecho tão imprevisivelmente desconhecido, a acompanhar a linha mais extensa das peças, o preto regressa às saias, vestidos, blusas e “tops” sem a mais pequena hesitação por parte dos grandes criadores que, como as velhas nas nossas aldeias e as ciganas de acampamentos sabem que o preto é a cor que vai bem com qualquer situação, principalmente com aquelas que mais nos ensombrecem as almas.
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De todas as maneiras, o negro e as cores sombrias que já nos dominam hoje e que se apresentam para o próximo Outono e Inverno, que moderem o nosso estado de espírito mas não nos deixem tombar no desespero. É a aposta mais segura e mais a propósito da nossa situação, a qual devemos procurar atravessar parecendo o melhor possível, como as palavras que se perfilam para o desfile diante dos olhos. Com um certo Chic. Um Chic esperto…

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«Mais Alentejo» de Jul 08

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