terça-feira, 28 de abril de 2009

O gasolina

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A MINHA INFÂNCIA em Cascais foi muito animada pelos desportos náuticos, ou não tivesse eu aprendido a nadar ao largo da praia da Conceição, agarrado a bolas de cautchu, aprimorando depois os estilos no Algés e Dafundo, sob o olhar severo de Bessone Bastos.
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Apesar de sonhar com aqueles grandes e lindos gasolinas de madeira envernizada, tubos de escape cromados e um ronronar sensual de galões de gasolina, apinhados de lindas meninas de “maillot”, “echarpes”de seda e óculos escuros a rodearem um cavalheiro muito bronzeado ao volante, a minha História Trágico Marítima escreveu-se à base de chatas a remos, de aluguer, ou pedalando furiosamente em gaivotas, nas quais fingia não ver os gestos vigorosos de impiedosos banheiros que exigiam o retorno imediato e ameaçavam nunca mais me alugarem uma geringonça daquelas.
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O gasolina americano, só visível nos filmes de Miami e de Malibu, era invejável no mar de Cascais e acostava graciosamente ao pontão do clube naval, servindo também de transporte para os mirones das regatas, quando as havia. Mas puxaram muito boa gente até esta se erguer e aguentar nos esquis, aos quais a velocidade dava rumo e equilíbrio. Tão boa gente, que nem eu próprio escapei...
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O gasolina tinha uns parentes pobres na Feira Popular, em Palhavã. Mais pequenos, muito lentos e ruidosos, fedorentos, mas também de madeira envernizada, fumegavam tanto que um aluguer de 15 minutos devia fazer pior aos pulmões do que três maços de Kentucky, ou de qualquer outra marca de mata ratos sem filtro.
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Era naquele quarto de hora de aluguer que eu ouvia os violinos e via o ballet aquático que acompanhava a desejável Esther Williams com quem sonhava nadar um dia, armado em Gene Kelly dos lagos e piscinas. Sonhos molhados de adolescente que Cascais inspirava…
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«Mais Cascais»

sábado, 25 de abril de 2009

«CONFIDENCIAL» de 25 de Abril de 2009


Prémio Clinton

QUER PARTICIPAR na final do “American Idol”? Simples: mande um cheque à secretária de Estado Hillary Clinton que ela pode tratar-lhe disso para ir resolvendo o drama da dívida de 6 milhões de dólares que contraiu com a suja campanha para as primárias que acabou por perder para Obama. Os amigos dos Clinton bem procuram fazer uma tômbola que permita ao casal pagar as dívidas sem que Hillary ou Bill puxem pelos cordões da sua bolsa. Um dia passado com Bill Clinton em Nova York é um dos prémios para quem concorra com uma contribuiçãozinha…

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Caxemira leva com os talibãs?

Militantes dos Talibãs tentam infiltrar-se em Caxemira a partir de território paquistanês.Nova Delhi não confirma esta informação mas a inquietação existe em círculos oficiais. O vale de Swat, que os talibãs já controlam em território paquistanês, é próximo de Caxemira.Militantes dseparatistas têm sido interceptados pelo exército indiano em número record.

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O EasyOffice depois da EasyJet

O bilionário grego Stelios Haji-Ioannou, fundador da companhia aérea “low cost” Easyjetconta com a queda dos preços do imobiliário britânico para lançar em Londres a “EasyOffice”, companhia destinada a vender e alugar escritórios em Londres e em Glasgow.”O imobiliário está a surgir como um investimento interessante”, confessou ao Times o patrão do EasyGroup.

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Revolta nas Sociedades de Autores

Na Europa está a alastrar um movimento de revolta contra as sociedades de autor segundo revela a Imprensa internacional. O motivo desse sentimento é o salário que os dirigentes dessas sociedades fazem cobrar, deixando na cólera muitos artistas que começam a organizar esta revolta. Em França, por exemplo, descobriu-se cavalheiros destes a cobrarem mais de 400 mil euros por ano…

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Batman Laranja!

Os direitos dos três próximos Batman foram comprados pela Orange Cinema à MGM (Metro Goldwyn Mayer). Quer isto dizer que o “Canal+ Plus”, de Berlusconi, pôs dinheiro em cima da mesa. Os patrões da MGM não escondem preferir o modelo de exploração da Orange, combinando televisão, internet e telemóvel. A Orange Cinema está com uma taxa de inscrições da ordem de 2 mil assinaturas diárias.

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Pouco católico

Ao fim de 29 anos de casamento e de ter 7 filhos dessa longa ligação, Roby Gibson pediu o divórcio ao seu marido Mel Gibson.O actor e realizador, católico fundamentalista, apanhado a conduzir sob o efeito do álcool foi visto a beijar em público uma jovem não identificada.Ambas as coisas muito pouco católicas.

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Manual anti-sequestro

Um manual para gestores, capitalistas, ministros, assessores e autarcas com medo de serem sequestrados por trabalhadores espoliados está a ser um grande sucesso editorial na Europa! Até admira não haver cá uma tradução, embora esta gente por cá recorra cada vez mais a guardas-costas, seguranças e afins. Mas o livro anti-sequestro, escrito pelo advogado francês Sylvain Niel, ensina como se defender da fúria da classe operária, o que torna a obra ainda mais interessante por estar a ser muito procurada por administradores e gestores socialistas! Além de ser uma gargalhada para quem tem a consciência tranquila, o livro dá conselhos pertinentes. Um dos que mais gostei foi a recomendação de trazer sempre uma muda de roupa na pasta, incluído duas ou três gravatas, não vá o diabo tecê-las…
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LIVROS

La Mort, entre autres
Philip Kerr
Editions du Masque (Paris)

Um interessante livro do autor da trilogia berlinense. Na semana passada recomendei “A História Universal da Infâmia”, de Jorge Luís Borges. Alguém que ainda se não libertou da literatura infantil, ou tem tiques pedófilos, transformou a narrativa do argentino em”História Universal da Infância”. Sem culpa de mais esta, peço desculpa.

sexta-feira, 24 de abril de 2009

Os ingratos dos irlandeses


O “NÃO” IRLANDÊS
ao tratado de Lisboa que os políticos tanto estremeciam depois de disfarçarem a anterior constituição - que a Holanda e a França recusaram em referendo- trocando-o por este manual de remissivos não se reduz a um simples incidente.
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Transformou-se, progressivamente, num vergonhoso acontecimento. Cada vez é mais um acontecimento vergonhoso, na medida em que estes democratas europeus que nos rodeiam o desejam o novo papel votado até o “não” passar a ser um “sim”.Tal como as eleições no Zimbabwe, com o presidente Mugabe.a submeter-se a eleições até as perder.
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Curioso, como estes eurocratas, depois de se arvorem em instrutores, dando treinos, em educadores, fazendo formação, e em políticos profissionais, bolsando sentenças sobre a democracia e a sua prática, proferem a sentença que o sistema de que abusam todos os dias é de grande fragilidade, requerendo ser tratada com a delicadeza duma flor, tão frágil e desprotegida a todos se apresenta!
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Hoje, já ninguém fala na Europa, como antes. Os europeístas convictos e sérios, não se atrevem. Suspiram. Os outros, remetem-se para a sua eterna posição de tiro, aquela donde mais facilmente se alvejam as vantagens, os lucros imediatos, as matérias primas, a sub-mão de obra, as energias e as telecomunicações, negócios e sócios, pois apenas a isto reduziram os interesses da Europa.
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Daqui nasceram dois únicos ruídos, um silvo quase silencioso, outro mesquinho e ganancioso, mas ambos um sussuro que nos murmuram aos ouvidos, meio palavra de ordem, meio pedido por amor de Deus, “façamos a Europa, não para que volte a ser a velha Europa onde vivemos e viveriamos , mas porque deste projecto poderemos arrancar ainda uma nova realização exaltante e carregada de valores específicos, uma obra magnífica, uma experiência excelente para todas as nações no seu conjunto, mas para o nosso querido país em particular! Há que compreender e contrariar a Irlanda, essa Pátria de ingratos que, uma vez tendo feito a sua fortuna, não hesitaram em expressar a sua falta de sentimentos, visto que já não poderia tirar da União mais vantagens do que aquelas que escandalosamente tirou?!
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A Europa, nós, não necessitamos de lições! Não queremos explicações nem pedagogia, nem subsídios nem projectos concretos! Apenas precisamos de calma e de energia. Demonstremos a todos em geral e aos Irlandeses em particular, antes de todos os outros, que não necessitamos deles para nada!”
Pois claro.

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«Mais Alentejo» de Ago 08

sábado, 18 de abril de 2009

«CONFIDENCIAL» de 18 de Abril de 2009

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Violência em Cabília

Abdelazziz Bouteflika, de 72 anos, ganha o tri nas presidenciais da Argélia.Contra ele apresentam-se outros cinco candidatos menores e vale tudo: manipulação, ameaças e desconfianças graves. As previsões para o Governo rondavam os 64%, contra os 58% de 2004, enquanto a oposição totalizava 17%. Nos próximos 5 anos Bouteflika promete 3 milhões de postos de trabalho e a derrota do terrorismo. No dia das eleições, deverá haver grandes medidas de segurança, contra possíveis ataques da AlQaeda (nos anos 90,a guerra exército-islamitas fez 150 mil mortos. Em Cabília as noites são já particularmente violentas. Dois polícias e três jovens manifestantes feridos com gravidade são o balanço mais imediato em Cabília.
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UCK: tortura e morte

“O Exército de Libertação do Kosovo é responsável por graves abusos aos direitos humanos” conclui um inquérito conduzido pela BBC que transmitiu esse trabalho dos locais onde confirmou a prática de atrocidades cometidas pelo UCK durante e depois do desenrolar do conflito contra a Sérvia das forças da NATO no Kosovo.Segundo fontes independentes citadas pela estação britânica e reconfirmadas na sua edição online, mais de duas mil pessoas foram torturadas e mortas, a grande maioria sérvias kosovares mas também muitos albaneses e ciganos. Hashim Thaci, um antigo malfeitor a quem os aliados da NATO entregaram o Kosovo e a direcção do UCK, desculpa-se dizendo que depois da guerra houve muita gente que usou fardas do UCK para comprometer a organização.
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“Saakashvili que se demita”

Pelo menos 60 mil opositores reuniram-se na Praça do Parlamento de Tblisi para pedirem a demissão de “Misha Saakashvili.Os pedidos não são novos por parte de quem se sente traído pelo líder da “revolução das rosas” de 2003 e que mantém a gestão do conflito na Ossécia do Sul a qual, ao longo do ano passado, foi simplesmente desastrosa. A prisão de oposicionistas nas últimas semanas tem quebrado o ímpeto dos protestos, bem como apelos do patriarca ortodoxo a que a violência seja evitada, embora observadores admitam que os EUA e a União Europeia possam ficar sensibilizados pela situação actual para ajudarem a que se produza uma mudança política que produza a substituição do actual governo da Geórgia.
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Berlusconi bem visto

A Imprensa europeia elogia a prontidão e o modo como o Governo e as autoridades italianas reagiram e auxiliaram as populações a seguir ao trágico terramoto de Abruzzo e consequente derrocada de Aquila. Suspensão de impostos e contribuições para a Segurança Social, subsídio de 800 euros mensais para artesãos, agricultores e comerciantes deslocados, medicamentos gratuitos sem quaisquer formalidades, estudantes com 200 dias de aulas com passagem de ano automática, três meses de suspensão dos pagamentos de água, luz e gás, um aumento de 500 euros a pensionistas e inválidos estão entre as decisões imediatas que fizeram Berlusconi ser visto como um primeiro ministro “Seguro, certo e correcto” muito antes de dar sepultura às quase três centenas de vítimas.
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Tzipi firme

Tzipi Livni, antiga ministra dos Negócios Estrangeiros de Israel e uma mulher de valor formada nos serviços secretos daquele País, reafirmou a sua posição de dirigente do partido Kadima:”Não tenho a menor intenção de participar num Governo de unidade nacional conduzido por Bibi Netanahyu”.
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Cuidado com os fotógrafos!
Antes do super bófia britânico Bob Quick se ter demitido depois de se ter deixado fotografar a sair do carro com um documento em que se podia ler a classificação de “Secreto” e o plano de operações contra alegados terroristas islamitas no Reino Unido, o qual teve de ser acelerado por este grave motivo, já Sarkozy, o presidente da França, tivera em Setembro de 2007 uma cena idêntica ao abandonar a sala onde se reunira o Conselho de ministros com uma carta de amor que seria atribuída à sua mulher, na altura, Cecília Sarkozy. A verdade é que a carta, sobre um dossier de assuntos de Estado, rezava “Sinto-me como se te não visse há uma eternidade. Para ser feliz tenho de ver-te na próxima semana!”Claro que os fotógrafos fazem o seu trabalho. Os alvos das suas objectivas é que devem ter cuidado com eles. George Bush, em Setembro de 2005, também fora apanhado por um fotógrafo da Reuters a escrever um bilhete a Condoleeza Rice, numa reunião do Conselho de Segurança, em que lhe comunicava, de modo perfeitamente legível, “Penso ter necessidade dum intervalo para ir à casa de banho”.
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LIVROS
“História Universal da Infâmia”
De Jorge Luís Borges
Editado por BIS, 5,95Euros, 90 págs
Um livrinho delicioso dum mestre da narrativa que deve comprar na estação dos CTT mais perto de si.

segunda-feira, 6 de abril de 2009

O chic esperto

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DEVEM TER REPARADO que a minha última crónica era curtinha. Escrever pouco dá mais trabalho, mas eu acho que além da coisa ficar mais clara, é mais fácil para quem lê e essa é, portanto, uma das minhas obrigações. Naturalmente que a coisa podia ter sido melhor disfarçada, fora eu próprio a arrumar as palavras na página, ou conversáramos nós acerca da importância estética da extensão dos textos, seus recolhidos, tipos de letra, citações, formatos e destaques.
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Arrumar um texto em página é um trabalho gostoso, de reflexão, muito semelhante e até evocativo da criação e organização duma “toilette” e seus acessórios. Neste caso, das duas, uma: ou se cria ou segue a moda, como as saias descaídas a mostrarem a cintura, a tatuagem dos rins, os joelhos e com uma rodinha para avivar o balancear das ancas, e se faz uma graça de bom gosto - ou se vai a direito, tipo fronha de almofada.
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Por mim, é igual, uma vez que nunca escrevi à palavra, nem alguma vez me pagaram à linha. Aliás, neste caso, nem à entrelinha.. Mas como até os cozinheiros, copeiros, sopeiros e outros artistas da arte de “empratar” sabem que os olhos também comem, preferiria que as palavras que tenho o prazer de aqui juntar para os vossos olhos terem o trabalho de percorrer, tivessem um pequeno aceno de simpatia a quem tanto se sacrifica.
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Aquilo que os olhos vêem é mais importante do que nós próprios cremos. Por isso, a moda é absolutamente fascinante. Por ela podemos ver reflectidas as realidades económicas e sociais, mais ou menos severas, daquilo que nos vai na alma e dos períodos correspondentes.
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Reparem só como fomos acompanhando a descida da saínha curta do “Charleston” dos loucos anos 20, passando pela saia pelo joelho do grande “crack” económico de 1929, até nos despenharmos nos tornozelos da grande depressão dos anos 30.
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Só nos anos 60 Londres se atreveria a animar-nos de novo, elevando-nos para as loucas mini-saias que se manteriam ultra-curtas e animadoras até ao choque petrolífero dos anos 70, no qual as saias regressaram ao nível articular dos joelhos.
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Talvez por este choque que actualmente vivemos, com “subprimes”, especulações, quedas, trambolhões e incertezas encerrar em si um desfecho tão imprevisivelmente desconhecido, a acompanhar a linha mais extensa das peças, o preto regressa às saias, vestidos, blusas e “tops” sem a mais pequena hesitação por parte dos grandes criadores que, como as velhas nas nossas aldeias e as ciganas de acampamentos sabem que o preto é a cor que vai bem com qualquer situação, principalmente com aquelas que mais nos ensombrecem as almas.
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De todas as maneiras, o negro e as cores sombrias que já nos dominam hoje e que se apresentam para o próximo Outono e Inverno, que moderem o nosso estado de espírito mas não nos deixem tombar no desespero. É a aposta mais segura e mais a propósito da nossa situação, a qual devemos procurar atravessar parecendo o melhor possível, como as palavras que se perfilam para o desfile diante dos olhos. Com um certo Chic. Um Chic esperto…

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«Mais Alentejo» de Jul 08

sexta-feira, 3 de abril de 2009

O problema espanhol

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A FALTA DE LIDERANÇA e de estratégia é tão preocupante para Espanha como para a zona Euro, podendo também atingir-nos com gravidade. Só agora se mostra, depois de Espanha ter sido o mais importante pólo de desenvolvimento europeu desde o fim da década de 80.
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Apesar das naturais invejas que a situação dos seus cidadãos nos causa a nós, portugueses, principalmente àqueles que vivem mais perto da sua fronteira, já ninguém hoje duvida que acabou a idade de ouro da transição pós franquista, a Espanha do milagre económico de Felipe Gonzalez, a Espanha dos gloriosos anos da movida.
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O Pacto da Moncloa, concluído em 1977 ao redor da monarquia constitucional e dum Estado descentralizado, voou em pedaços com os ataques contra a instituição e a família real, dum lado, e com o estatuto da Catalunha e as cedências ao terrorismo basco, do outro.
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A manutenção por Zapatero das opções neo-liberais de Aznar manteve um crescimento anual nos 3,8,um excedente orçamental de 2,2% do PIB e uma dívida pública reduzida em 34% em 2007,criando condições para 3 milhões de novos empregos em 4 anos. Mas, ao mesmo tempo, o desemprego já atinge os 8,6%, a inflação ultrapassa os 4,4, o défice de pagamentos correntes chega aos 9,8%do PIB e o endividamento das famílias vai nos 140% do rendimento disponível. O salário médio estagna desde 1995 e 30 % dos jovens abandonam os estudos antes dos 16 anos, ao mesmo tempo que um terço dos cidadãos entre os 25 e os 35 anos de idade continuam a viver em casa de seus pais.
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Interessante como a Espanha de 2008 se parece tanto com a Europa dos anos 70.O modelo que lhe permitiu a reconstrução notável e agarrar o pelotão da frente da Europa esgotou-se. Mas nem políticos nem cidadãos parecem inclinados a retirarem conclusões e a assumirem esta preocupante transformação. Após três décadas de modernização e de abertura em passo de corrida, a Espanha enfrenta hoje graves ameaças à sua identidade e ao seu futuro.

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«Mais Alentejo» de Jun 08

quinta-feira, 2 de abril de 2009

O fim dos erros

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O FILHO DUM AMIGO meu percebeu logo as vantagens do novo acordo da língua portuguesa. Riu-se e decretou:
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- O acordo é bestial. Vai deixar de haver erros. Eu sou a favor do acordo!
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Foi a mais rápida e prática opinião acerca do novo acordo que tanta polémica tem gerado, ainda que quase nenhum debate sério, no âmbito dos Ministérios da Cultura e da Educação, tenha tido lugar para avaliar da justeza e interesse deste acordo para Portugal.
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O Brasil, que é quem melhor trata a Língua Portuguesa, está pacientemente à espera de assinar o acordo. Os africanos, que oficialmente falam a nossa língua, estão caladinhos, moita carrasco, sem que se saiba se o vão subscrever, ou não. Esta posição deixa, aliás, o acordo reduzido a um protocolo luso-brasileiro, ainda que firmado no âmbito da CPLP, com o objectivo político de termos um idioma unificado.
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Quando este acordo estiver em vigor, o grande vencedor será Jorge Coelho, não só porque os contratos da Mota-Engil em Angola passam a ser redigidos à luz do acordo, mas também, e sobretudo, porque poucos hão-de(ou hãode? Ou ãode?) saber como se escreve, e acabarão por preferirem o há-dem da escolha do ex-ministro de Guterres, embora desconhecendo se se escreve assim, ou antes ádem ou adem.
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O Português será um idioma que se passa a escrever como der mais jeito e que, de todas as maneiras, está bem. Razão tem, de facto, o miúdo que é filho dum amigo meu.Vai deixar de haver erros…
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O que vai ser do Português depois do acordo, pouco interessa. Em Portugal, cada vez mais se fala e escreve inglês ou espanhol em detrimento da nossa língua.E se as pessoas e os povos vão continuar a apanhar o comboio e o trem, a ir de ónibus e de autocarro, de papa bicha ou de bus, para quê uma língua única só para todos podermos dizer e escrever lóbi,óbi,dossiê, robô? Uma coisa é certa : muito nos vamos entreter à volta de receção, recessão ou recepção(que os brasileiros não largarão o “p” para distinguirem a recessão económica da recepção da recepcionista)…
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As línguas que mais se falam no mundo são as que mais variantes apresentam e cujos filólogos e Governos jamais pensaram em unificar.Atente-se no castelhano e nas suas 20 variantes, da Argentina à Venezuela, passando por mais duas para o espanhol de Espanha - as variantes moderna e tradicional. Vejamos o inglês, com 18 variantes, da Austrália ao Zimbabwe, incluindo o do Reino Unido e dos Estados Unidos. O francês tem 15 variantes, da Bélgica e Suiça às Índias Ocidentais , passando pelo Mónaco, Costa do Marfim,Senegal e Mali. O árabe tem 16 variantes registadas. O alemão afirma cinco variantes, tantas como o chinês.O servo-croata tem quatro.
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Tínhamos que ser nós a confundir a política com a língua e a querer esta unificação à força, a qual antecederá a dominação inevitável pelos brasileiros da língua que lhes deixámos como instrumento da sua unidade nacional e com a qual se projectarão no mundo inteiro, falando uma língua muito bela que deixará no canto mais ocidental da península ibérica um dialecto, com raiz latina, do qual nasceu.

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«Mais Alentejo» de Mai 08

Sede

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ESCREVER SOBRE ESCASSEZ de água para quem anda com a boca cheia de Alqueva, se não parece mal pode ser um contrasenso. Pois que assim seja, e logo caberá a cada um dos leitores encontrar o que mais preferir: contrasenso naquilo que escrevo ou no que querem fazer do Alqueva.
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No dia em que iniciei a minha vida de jornais, revistas, rádio e televisão no “Diário de Lisboa” que Deus tem, nos idos de 62 do século passado, publicava aquele prestigiado jornal na sua primeira página um título que chamava para o início duma série de artigos cujo título era “Haverá água para os nossos netos?” Para os netos de Norberto Lopes e Mário Neves, houve água. Para os meus, não sei. Mas nunca me esqueci daqueles artigos escritos pelo Manuel Maria da Silva Costa.
Água é fonte de vida. A sua falta põe em perigo o desenvolvimento natural do ser humano em condições aceitáveis. Nos últimos anos, a seca tem flagelado o nosso planeta em consequência dos bruscos desvios climáticos, que são factores determinantes do aumento de muita miséria no mundo. A subnutrição, as doenças, as migrações são reacções habituais às situações criadas por condições inferiores às toleradas no patamar da sobrevivência.
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A escassez de água afecta cada vez mais um sector populacional crescente. Países que não tinham este tipo de preocupação, procuram hoje poupar as suas reservas de água ao mesmo tempo que o nível das chuvas decresce de modo acentuado.
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A mudança climática, a má gestão da água provocam o aumento da desertificação, fenómeno que não deve ser confundido com a seca, nem com a escassez de água. O aumento das temperaturas provoca o degelo dos glaciares, a redução das linhas de costa e o aumento da temperatura global.
A seca não é um fenómeno estranho, apenas um fenómeno normal que, em determinados momentos, afecta zonas que habitualmente não dispõem de capacidade de armazenagem ou de previsão. É o caso do Burkina Faso, do Niger, do Mali e da Mauritânia, onde a falta de chuva leva a população à fome e ao desespero, perante as enfermidades e a morte.
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Por outro lado, os areais do Sahara, do Rub Al Khali (Arábia) ou do Gobi (Ásia) mostram a crueldade da vida debaixo de condições ambientais que apenas contam com 10% de humidade. O problema da seca agudiza-se quando a escassez de precipitações se prolonga durante um período de tempo excessivo. É então que este fenómeno não afecta unicamente a agricultura, mas também cria e agudiza graves conflitos socioeconómicos.
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Os relatórios acerca das mudanças climáticas assinalam que em 11 dos últimos 12 anos se registaram as temperaturas mais elevadas de sempre à superfície do planeta. Em muitos países a seca tem quatro classificações: meteorológica, hidrológica, agrícola e socio-económica.
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O principal impacto desta situação repercute-se directamente sobre a agricultura, um sector que assiste impotente à redução das suas capacidades produtivas. Para disfarçar estes efeitos negativos, que se traduzem em prejuízos económicos milionários, há que prever uma série de disposições a serem postas em prática que, minimamente, assegurem que os abastecimentos urbanos não serão interrompidos. É para isso que se criaram ministérios do ambiente. Para além de fazerem coisas que não se conhecem muito bem, permitam ainda que as câmaras municipais continuem a cuidar de jardins públicos, mas com sistemas de rega por gotejo utilizando água não potável.
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Esperando que estas reflexões aquáticas não vos choquem, os votos para que tirem do Alqueva o que de melhor tanta água vos pode dar, assim saibam e queiram.
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«Mais Alentejo » Abril 08

quarta-feira, 1 de abril de 2009

Castelhano graças a Deus

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NUNCA PENSEI que esta mesma revista alentejana onde escrevo seria tão piegas que nela tivesse de ler choradeiras de Alentejanos que dão conta do mau passadiço uns dos outros, como se tal contituisse motivo para os alentejanos se vangloriarem.
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Por graça, sempre encarei esta publicação como daquelas que ao relatar mortes e ferimentos graves entre os passageiros dum comboio noticiasse, ufana, que os ferimentos e mortes se “tivessem registado, somente, entre os passageiros da terceira classe.” Ou então, que ao citar a morte duma vítima dum prédio que tivesse ruído na Lapa, em Lisboa, desse festivamente conta da ocorrência, acrescentando que, “Graças a Deus, a única vítima era a porteira do malogrado edifício”.
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Revista assim deveria dar conta dos montes e das herdades, das caçadas e do progresso dos negócios dos seus melhores leitores ou mais ilustres accionistas, e para onde estes fogem para fazerem as suas invejáveis férias. Uma revista destas não deve contar como se passa fome no Alentejo indo ao descaramento de apresentar na capa um prato sujo, mas vazio, como se os alentejanos não fossem capazes de encherem os seus pratos.
Eu cá prezo muito o neo-realismo, como corrente literária. Até já aqui falei num homem que começou a escrever no mesmo dia que eu, no “Diário de Lisboa”, mas sendo eu um gaiato jé ele era um ilustre homem de letras, autor do “Cerro maior” e da “Seara de Vento”, um dos grandes romances portugueses do século XX, já ali escrevia outro alentejano neo-realista, o Urbano Tavares Rodrigues, ele e o irmão Miguel senhoritos do Alentejo de passeios a cavalo por entre paisanos que tiravam os chapéus das cabeças quando eles passavam e agora são eles os comunistas, no fim das vidas, já sem comunismo a que se agarrarem e os outros passaram de revolucionários nas terras que não eram suas a proprietários e rendeiros com alguma coisa de seu, sem já acreditarem no que quer que seja, pois então.
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Daí eu ver tudo alterado, ou seja, uma revista destas, que não devia preocupar-se com os pobrezinhos, fala de fome no Alentejo e os comunistas falam não se sabe de quê!? Sabem que mais?! Os espanhóis é que nos safam. Vamos todos falar uns com os outros em castelhano e usamos o nosso dialecto para sermos malcriados um com os outros sem eles perceberem. Acabamos por aproveitarmos esse pretexto para fingirmos que não percebemos nada do que andamos a dizer uns aos outros.Vai ser melhor assim. Vão ver.

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«Mais Alentejo» de Fevereiro de 2008