domingo, 30 de agosto de 2009

Outro adeus a Solnado

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PEDIU-ME ESTE JORNAL que escreva um texto sobre a morte de Raul Solnado. Faço-o com respeito mas a contra-gosto, pois agora, sempre que morre alguém de destaque, aparecem as modernas carpideiras que tão amigas dos defuntos eram que mais parecem jovens pin-ups a disputarem um título de belas e perigosas. Então se o velório mete TV, nem imaginam as qualidades do defunto nem a amizade inabalável entre quem parte e quem se despede.

Conheci pessoalmente Raul Solnado no início da década de 60, quando a sua interpretação dos fabulosos textos humorísticos do espanhol Gila o tornaram uma figura nacional – desde a sua ida à guerra, até à malandrice da Maria Albertina e das idas da sua mãe a Évora.

A rádio, e depois a TV, fizeram dele um estrondoso sucesso nacional, tão grande que a revista “Flama” me contratou para o entrevistar, o que valeu o nosso primeiro e agradável encontro num restaurante do Parque Mayer.

Mas se estes encontros haveriam de cimentar uma longa amizade, a que fiquei a dever vir a ser condómino dos fins de semana do Raul, de paredes meias e conversa de vizinho, um outro encontro, muito mais respeitoso tivemos num cinema do Arco do Cego, na estreia do filme D.Roberto, do José Ernesto de Sousa que ele protagonizava. Era um filme triste, sorumbático e neo-realista. E descobri com ele a importância da seriedade e do dramatismo na representação do Raul, um cómico que fazia rir quase sem querer e a pedir desculpa, mas que adorava ser respeitado e admirado como actor dramático. Daí se ter infiltrado, com Brecht, no teatro pós-25 de Abril, e também mais tarde no Nacional e no São Carlos, para merecer essa admiração que desejava, sem perceber que não precisava dela para nada, como Vasco Santana e António Silva, na grandeza do seu talento e da sua cultura, o demonstram ainda hoje à saciedade.

Oriundo da Guilherme Cossul, onde emparelhou com José Viana, Raul Solnado era um homem de teatro, pelo qual abandonou a vida de bairro que seu pai lhe reservara, mas percebeu as vantagens da TV e tinha um grande respeito pelo cinema que sabia ser o garante da sua posteridade.

Quando Moreira Baptista entendeu que a TV era indispensável para assinalar a abertura do regime na fase Marcello Caetano, foi com Solnado que se aconselhou num almoço no Tavares Rico, no qual nasceu o Zip Zip.

Foi o Raul quem me apresentou o almirante Henrique Tenreiro de visita ao seu camarim no Rio de Janeiro onde as suas rábulas deliciavam os “comendadores” nossos patrícios e foi com o Raul que regressei num teco-teco de Faro a Lisboa depois do comício inaugural da campanha para a reeleição de Ramalho Eanes em 1980,de quem era amigo e a quem apoiou, apesar da relutância de outro seu amigo e companheiro político, Mário Soares.

António Alçada Baptista e José Cardoso Pires foram nossos amigos comuns, com quem queimámos muitas noites de Lisboa.

Às 16 horas da véspera da sua morte, visitei-o no sexto andar de Santa Maria, na UTIC, onde estava internado.Estava mais para lá do que para cá e faleceria horas depois. Estava sozinho, na hora das visitas. A enfermeira Anabel disse-me que visitas certas e regulares eram as da sua neta Joana e as do filho José Renato.

Deixei-o de olhos cerrados e com um sorriso enigmático. Sozinho. Reencontrar-nos-íamos no Palácio das Galveias, onde nos despedimos, e hoje, aqui, nesta página de jornal.

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1 comentário:

Domingos Pimenta disse...

Em relação ao 1º parágrafo, não podia estar mais de acordo contigo, Joaquim.

Domingos Pimenta