sábado, 12 de dezembro de 2009

Uma Guerra Desgraçada

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É ENGRAÇADO VER um prémio Nobel da Paz mandar milhares de homens matar e morrer na guerra e exigir aos seus amigos que cometam a mesma barbaridade. Obama não é novidade. Já não caio em enganos, desde que vi Kennedy bombardear o Vietnam e invadir Cuba, Reagan matar em Granada para recuperar a moral da Nação perdida em Hanói e Saigão, e Sampaio a condecorar em Lisboa o magarefe do Panamá, algo de que nem o Cabeça de Vaca teve de se envergonhar. Tudo é possível e tem um preço. Aqui estamos agora para ver o que Obama traz de Cabul. Os discursos do Cairo são bonitos mas não enganam.

O Afeganistão é um País sem Estado, dividido e fragmentado, etnizado e tribalizado em clãs anteriores ao próprio Estado. Para falar do Afeganistão é preciso conhecer sociedades destruturadas, perdidas em costumes ancestrais, instituições inexistentes, faltas de legitimidade, ausência de credibilidade, corrupção desenfreada, desonestidade depravada.

Pastunes, uzbekos, tayikos, turcomanos, chifes e outras etnias a povoar e deambular por este País pedregoso e fascinante, em que só os Pastunes têm poder com as suas alianças.

Sharia ou Democracia parecem uma dualidade possível, mas não é verdade: tudo continuará na mesma, duma forma ou de outra, a divisão em clãs e senhores, o predomínio dos pastunes. Aqui, as regras são simples e arcaicas: pactos entre clãs, ligações e trocas de interesses, reparto das melhores partes, prebendas e impunidades, direitos e abusos. Aqui, a Democracia é um conceito impossível. A islamização é imparável, nem o corrupto Karzai, nosso aliado, poderá detê-la.

No Afeganistão trava-se uma guerra perdida, assimétrica, oculta e silenciada, escondida da comunidade internacional. Os Estados Unidos com a NATO e ainda a Comunidade Europeia estão a perder a guerra e vão ser derrotados.Quarenta e dois (42) países constituem uma força internacional (ISAF) que no Afeganistão trava uma guerra sem estratégia definida, nem ânimo, nem vontade.

Oito anos a semearem o caos, a miséria, o terror, a corrupção, a talibanização continua a cumprir-se. Repetem-se no Afeganistão os mesmos erros do Iraque. Mas nada é igual. No Iraque, havia Estado, havia estruturas, havia um país laico. No Afeganistão tudo se reduz ao perímetro de Cabul. O espaço onde desaparecem os milhares de milhões para reconstruir o país e ajudar um povo perdido em si mesmo numa idade feudal e arcaica que se recusa a passar.

O ópio e a corrupção dão alento nesta pedreira incerta que resistiu a impérios e exércitos que tiveram de ajoelhar-se e retirarem vencidos e humilhados. A História é cíclica mas não é caprichosa. Os que a não entendem não se ficam a rir. Algo neste povo o torna invencível e indomável. Nada vai mudar nesta guerra desgraçada, comandada por um prémio Nobel da Paz.

«Mais Alentejo» - Dez 2009

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