quinta-feira, 14 de outubro de 2010

Para lá do resgate

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MÁRIO Sepúlveda foi o segundo a sair do horroroso pesadelo que engolira os 33 mineiros numa mina no Chile 69 dias antes, a uma profundidade de 700 metros. Extrovertido, exuberante, Sepúlveda foi de todos o que mais impressionou pela pureza do raciocínio e por acreditar em alguma coisa para além do resgate que comoveu o mundo entre terça e quinta-feira desta semana.

-Agora, por favor, não nos tratem como se fôssemos artistas ou jornalistas, tratem-me como mineiro, sou mineiro e morrerei mineiro - pediu o entroncado e sorridente mineiro aos mais de mil repórteres que registavam as suas palavras à saída da cápsula que o trouxera das profundezas, acrescentando:
-As leis e as condições laborais têm de mudar!

Após as trevas, as luzes da ribalta e certos misteres equívocos não fazem sentido para este mineiro e filho de mineiro de 40 anos de idade, que sempre acreditou no momento único de felicidade a que o mundo assistiu. Quanto ao desejo de melhores condições de vida e de trabalho a partir de agora, também comove haver quem ainda acredite e valorize o trabalho do homem. Infelizmente, tanta esperança só parece existir na cabeça de quem esteve tantos meses enterrado vivo.

terça-feira, 12 de outubro de 2010

Jorge & George

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A SRA. MINISTRA
da saúde criticou a falta de rigor e de capacidade de gestão dos medicamentos em Portugal. Não posso estar mais de acordo com um membro deste Governo como estou com esta ex-médica do hospital de Almada. Ninguém entre nós deve saber tanto deste negócio como a ministra Jorge e o seu braço direito George. Juntos, Jorge & George saberão mesmo mais do que o Dr. Cordeiro das farmácias. Ou não sejam eles quem ainda não sabe o que fazer a uns milhões de vacinas para a gripe A, que mandaram vir e custaram milhões de olhos da cara? Parece que andam a oferecer essas vacinas a velhinhos que se portem bem e tenham impostos a pagar. Jorge & George bem podiam ir, em pessoa, vendê-las para o metro do Rossio, para ajudar a baixar o défice.

Espero que o próximo negócio não seja encomendarem, por troca, aquele único antibiótico que consegue derrotar a bactéria super-resistente!

Com esta habilidade muito pessoal para o negócio só me lembro do Guterres com os aviões F16 encaixotados e a encomenda dos submarinos aceites pelo Portas depois de confirmados por outros de quem ninguém fala. Porque será?

quinta-feira, 7 de outubro de 2010

De lágrimas nos olhos

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ACABEI de percorrer diversos caminhos europeus para participar em palestras, conferências, debates e reuniões relacionadas com a paz, as relações inter-religiosas e inter-culturais dos povos, dos seus políticos e dos seus Estados.

Foi um intervalo muito prazenteiro na doméstica rotina das minhas modestas tarefas académicas e no estudo e análise da evolução dos media que me preenche a vida.

Um facto me surpreendeu por não o imaginar a esta escala insuspeita e mostrando claras tendências para o seu agravamento próximo: a actual presença maciça de portugueses a trabalhar no que lhes aparece ou preparados para fazerem o que se lhes oferecer. Com uma incomensurável tristeza e desistência de aqui volverem, olhando para trás sem perdão. Vivia eu na Europa durante a grande emigração dos anos 60. Nada tão triste e desgarrado como agora.

Hoje, os nossos jovens emigrantes estão convictos de que em breve serão ainda muitos mais a espalharem-se pelo mundo fora, desesperados pela vergonha de o mundo inteiro ver Portugal a abandonar os seus filhos desta maneira. A gente fala com eles e ficamos, nós e eles, de lágrimas nos olhos. Isso não se sabe cá.

P.S.- Alguns velhos leitores e amigos celebraram um textinho meu que este blogue reproduziu. Já estou velho e demasiado piegas para mimos desses. A todos, muito obrigado!

segunda-feira, 4 de outubro de 2010

Você é feliz?

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Por Joaquim Letria

DIZEM AS REVISTAS da Ciência que quase metade das pessoas que estão mal com a vida, desanimadas, tristes e sem vontade de ir à luta, sem vontade de comer e com falta de apetite sexual, com insónia ou a dormir demais, pouca ajuda recebem da clínica geral. Penso eu que terão ainda menos ajuda no futuro, porque os médicos generalistas cada vez sabem menos conversar.

Os médicos não estão atentos à tristeza das pessoas. Mais virados para as insuficiências renais, hepáticas, glandulares e hormonais, os médicos preocupam-se menos com funções que têm a ver com o estado de espírito e cujo diagnóstico não tem ajuda de TACs ou de Ressonâncias Magnéticas.

-Diga-me uma coisa: é feliz?

Imaginem um médico ou uma médica, nos 10 minutos da consulta, a fazer esta pergunta. Quanta gente se assustaria e iria mentir para responder, sem saber, porque engordou 8 quilos ou perdeu o gosto do emprego.

A prestigiada revista “Lancet”, que um dia destes apanhei na sala de espera dum consultório, garantia naquele seu número dum ano atrasado que 20 por cento dos diagnósticos de depressão estão errados, nuns casos por a verdadeira depressão não ser detectada, noutros por ser outra coisa qualquer. Coisas que parecem mas não são, como a anemia, a disfunção da tiróide, a perda dum ente querido, enfim causas capazes de enganar a ponto de tornar a depressão moda, o que explica a subida da venda dos ansiolíticos e o sucesso laboral da psicologia clínica, que não amedronta e afasta como a psiquiatria ainda consegue por culpa dos preconceitos.

Mas a verdade é que anti-depressivos fantásticos conseguem o regresso do amor próprio e da qualidade de vida a muito boa gente que recorre ao psicólogo ou ao psiquiatra. Pena é que os médicos de família não auscultem as dores da alma, assim como medem a tensão arterial ou mandam fazer electrocardiogramas.

«Mais Alentejo» de Outubro 2010